segunda-feira, 31 de outubro de 2011

UM POUCO DE MARTHA MEDEIROS




O amor que a vida traz





 


   Você gostaria de ter um amor que fosse estável, divertido e fácil. O objeto desse amor nem precisaria ser muito bonito, nem rico. Uma pessoa bacana, que te adorasse e fosse parceira já estaria mais do que bom. Você quer um amor assim. É pedir muito? Ora, você está sendo até modesto.



   O problema é que todos imaginam um amor a seu modo, um amor cheio de pré-requisitos. Ao analisar o currículo do candidato, alguns itens de fábrica não podem faltar. O seu amor tem que gostar um pouco de cinema, nem que seja pra assistir em casa, no DVD. E seria bom que gostasse dos seus amigos. E precisa ter um objetivo na vida. Bom humor, sim, bom humor não pode faltar. Não é querer demais, é? Ninguém está pedindo um piloto de Fórmula 1 ou uma capa da Playboy. Basta um amor desses fabricados em série, não pode ser tão impossível.



   Aí a vida bate à sua porta e entrega um amor que não tem nada a ver com o que você queria. Será que se enganou de endereço? Não. Está tudo certinho, confira o protocolo. Esse é o amor que lhe cabe. É seu. Se não gostar, pode colocar no lixo, pode passar adiante, faça o que quiser. A entrega está feita, assine aqui, adeus.



   E agora está você aí, com esse amor que não estava nos planos. Um amor que não é a sua cara, que não lembra em nada um amor idealizado. E, por isso mesmo, um amor que deixa você em pânico e em êxtase. Tudo diferente do que você um dia supôs, um amor que te perturba e te exige, que não aceita as regras que você estipulou. Um amor que a cada manhã faz você pensar que de hoje não passa, mas a noite chega e esse amor perdura, um amor movido por discussões que você não esperava enfrentar e por beijos para os quais nem imaginava ter tanto fôlego. Um amor errado como aqueles que dizem que devemos aproveitar enquanto não encontramos o certo, e o certo era aquele outro que você havia solicitado, mas a vida, que é péssima em atender pedidos, lhe trouxe esse e conforme-se, saboreie esse presente, esse suspense, esse nonsense, esse amor que você desconfia que não lhe pertence. Aquele amor em formato de coração, amor com licor, amor de caixinha, não apareceu. Olhe pra você vivendo esse amor a granel, esse amor escarcéu, não era bem isso que você desejava, mas é o amor que lhe foi destinado, o amor que começou por telefone, o amor que começou pela Internet, que esbarrou em você no elevador, o amor que era pra não vingar e virou compromisso, olha você tendo que explicar o que não se explica, você nunca havia se dado conta de que amor não se pede, não se especifica, não se experimenta em loja – ah, este me serviu direitinho!



   Aquele amor corretinho por você tão sonhado vai parar na porta de alguém que despreza amores corretos, repare em como a vida é astuciosa. Assim são as entregas de amor, todas como se viessem num caminhão da sorte, uma promoção de domingo, um prêmio buzinando lá fora, mesmo você nunca tendo apostado. Aquele amor que você encomendou não veio, parabéns! Agradeça e aproveite o que lhe foi entregue por sorteio.


Trecho extraído do livro Feliz por nada, de Martha Medeiros.

UMA DOSE DE (IN)SANIDADE








   Gentil cavalheiro, guarda-me dentro do teu abraço. Conduze-me aos teus caminhos. Beija-me vorazmente, toma-me em teus braços e desorganiza os meus cômodos. Limpa a minha alma de toda a mágoa e de toda falta de amor.

   Na tua paz eu me acalmo. Como explicar essa serenidade que a tua presença me revela? Um simples beijo por acaso me desorientou. Minha vida tem sido um misto de embriaguez em meio a uma lucidez necessária que me afasta da tua presença.

    Dancemos juntos, celebremos esse momento ímpar de completa (des) ordem. Olha para o lado. Percebe que não desejo ser tua amiga, mas senhora dos teus sonhos mais ocultos. Dona dos teus pensamentos mais profundos. Quando eu te buscar, segue-me!Não me deixes sem respostas e não ocultes a tua resposta.

    Permita que eu prove dos teus abraços mais afetuosos, tenho vontade de me aninhar no teu colo e pedir-te proteção: cuida de mim. Faz-me bicho de estimação daqueles que frequentam a tua casa inteira desde o café da manhã ao jantar. Foge de tudo o te afasta da minha presença e foge daquilo que me provoca repugnância. Enche meus dias de regozijo e alegra meu coração. Faz-me bela.

   Provoca em mim o riso, faz com que eu reviva os tempos de outrora, torna-te uma lembrança inesquecível e por fim: abandona-me para que eu não te cause nenhum mal e tu não macules a minha roupa perfeita que demorei tanto a vestir.

Socorro Vianna